A culpada

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Nenhuma literatura está livre de ficção. E nem de verdade.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Madrugada de quinta-feira. A ansiedade para a viagem do fim de semana causou insônia. Fui para a janela observar a vida alheia. Assim que me apoiei, vi sombras de um casal num apartamento do prédio da frente, numa andar que parecia ser um número abaixo do meu. Fiquei observando as sombras para ver se era realmente o que eu estava achando. Confirmei que era quando vi as cortinas sendo fechadas com muita pressa e barulho. Ri maliciosamente e fui procurar outra coisa para observar.
Passou um tempo e todos da vizinhança pareciam estar dormindo, quando de repende ouço um grito da calçada. Debrucei-me na janela para ver o que era. Era apenas o Sr. André. Morador antigo do bairro. Ficou viúvo há uns três meses e desde então encontra-se frequentemente embreagado. Ninguém se preocupa mais, a não ser seu filho mais velho, que volta e meia tem de busca-lo em bares das redondezas para que sua irmã mais nova não perceba o estado deplorável em que seu pai se encontra. Era um homem de bem, cresci ouvindo dele como eu estava grande... Sua família não merecia esse destino, não. Lamento...
Após todo o barulho provocado por ele, vi uma família tomando café da manhã. Estavam arrumados e pareciam ter pressa. Não era nem 6:30 am e eles já estavam à mesa. Achei estranho. Peguei um binóculo para observar melhor, já que o apartamento era num andar bem mais baixo que o meu. A mãe falava com o pai com expressões furiosas, enquanto o mesmo tomava seu café sem nem esboçar reação. O filho estava com fones nos ouvidos. A mãe arrancou os fones dele e disse algo furiosa. Levantou-se da mesa, pegou sua bolsa e não a vi mais pelo binóculo naquela manhã. Minutos depois que ela se retirou, o pai abraçou seu filho e pareceu derramar algumas lágrimas. Eu não ouvi nada da pequena discussão, não sabia o motivo do estresse, mas aquilo me comoveu. Fiquei ali tão concentrado que parecia assistir a um espetáculo teatral. Quando o filho olhou pro lado, meio que em direção a janela, tirei logo o binóculo e disfarcei. Não sei se ele me viu, mas dei a entender que estava ali por acaso.
Após alguns minutos assim, ouvi um "psiu". Provavelmente alguém me viu com o binóculo. Fique curioso e fui procurar de onde vinha o barulho. Não vi ninguém na janela. Provavelmente alguem estava a me observar e, quando percebeu que ouvi o barulho, se escondeu.
Até hoje me questiono se causei curiosidade, pena, emoção, ou, na pior da hipóteses, nada na pessoa que mandou esse "psiu" misterioso. Se a ultima opção for a certa, preciso urgentemente me tornar interessante para causar alguma reação nas pessoas. Afinal, estamos sendo observados o tempo todo, temos que manter as aparências, não é?

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